Olá, pessoal!
Pois... quando eu disse que tinha simplificado a minha explicação e que as coisas não eram assim tão lineares na Natureza... não estava a mentir :D
Primeiro para tirar uma dúvida: se um ou mais indivíduos de uma espécie se cruzar com outro ou outros indivíduos daquilo que pensávamos que era outra espécie, na Natureza, e originar descendentes férteis (pelo menos até F3) então o que acontece não é a criação de uma espécie nova. Simplesmente, aqueles dois grupos de organismos que julgávamos serem duas espécies diferentes são, na realidade, a mesma espécie (e mantém-se um nome de uma espécie e elimina-se o outro).
Em relação a como se define “espécie” nos ciclídeos aqui vão (algumas) partes que eu omiti:
O conceito de espécie que eu referi (o biológico) é o mais largamente utilizado e, geralmente, é discriminatório o suficiente para o objectivo dos estudos que se realizam. No entanto, nalguns casos a coisa complica-se e temos que nos lembrar que o conceito de espécie é, na realidade, multidimensional. Isto quer dizer que o facto de olharmos para dois peixes que são parecidos entre si e acharmos que são a mesma espécie (apesar de não sabermos se originariam descendência fértil) não está tão errado como seria de supor, ou seja, este é um conceito morfológico de espécie (e juntando o morfológico com o biológico e outros aspectos dá o tal conceito multidimensional).
O conceito biológico de espécie tem vindo a ser levemente alterado nos últimos tempos devido ao facto de que artificialmente já se consegue manipular todo o tipo de espécies e a sua compatibilidade reprodutiva. Então, por essas e por outras, o "novo" conceito biológico diz que uma espécie é um grupo de organismos que, no estado natural, não se cruza com outros grupos de organismos. Por isso, LMAlves, quando dizes que "a colisão na definição de espécie virá das diferenças entre o ambiente natural e os nossos aquários" tens toda a razão. Porque se é "no estado natural" então como sabemos se o peixe A deste lado do Lago que é quase igual ao peixe B do outro lado do Lago são ou não a mesma espécie? Porque eles podem não se cruzar simplesmente porque estão separados geograficamente!
Para tentar resolver esta baralhada, nos ciclídeos costuma-se fazer o seguinte:
- Imaginem neste lado do Lago a espécie A e a espécie C (que é a mais parecida com a A de todas as espécies que vivem neste lado - tão parecidas que, a olho, poderíamos julgar que são da mesma espécie). Como as espécies A e C vivem em contacto físico e poderiam tentar reproduzir-se se quisessem (mas não se verifica nenhuma reprodução) são, oficialmente, duas espécies diferentes.
- No outro lado desse mesmo Lago há a espécie B que também é muito parecida com a espécie A (que está do outro lado do Lago, geograficamente separada). Para saber se são a mesma espécie não vamos andar a cruzar todas as espécies que estão geograficamente isoladas. O que se faz é: Se a espécie B for tão diferente da espécie A como a espécie C é diferente da espécie A... então a espécie A não é a mesma que B, são consideradas espécies diferentes.
A técnica que acabei de referir não é só teoria, ela é apoiada por dados genéticos (mais uma dimensão do conceito de espécie) mas... estes dados também mostram que entre estas espécies falta algo que se chama "diferenças fixas na frequência de alelos" que indicariam a um geneticista que as espécies são 100% diferentes. Esta “falta de diferenças” era de esperar pois os cíclideos são espécies muito jovens (evolutivamente falando) e ainda não se encontram entre elas todas as diferenças que se deveriam encontrar precisamente porque o processo de especiação ainda está a ocorrer diante dos nossos olhos. Ou seja, os organismos já acumularam incompatibilidades genéticas suficientes para serem espécies diferentes, mas ainda não acumularam incompatibilidades genéticas suficientes para impedir o aparecimento de híbridos.
No estado natural, e como referido por LMAlves, há aquilo a que se chama mecanismos de isolamento pré-zigótico comportamentais, ou seja, as fêmeas tendem a escolher os machos da mesma espécie e não de outras. Isto é a especiação a acontecer pois desta forma os organismos de uma espécie vão intercruzar-se mais entre eles acentuando as características que os distinguem de outras espécies, até ao dia em que se acumulem incompatibilidades genéticas suficientes que já nem sequer seja possível o aparecimento de híbridos (a fecundação já não será possível entre esta espécie e outra).
Nos nossos aquários, mesmo que estes mecanismos pré-zigóticos (ou seja, pré-fecundação) não se verifiquem existem sempre os mecanismos pós-zigóticos que são o facto de os ovos fecundados não serem viáveis ou os peixes morrerem jovens ou, em última instância, os híbridos serem estéreis (que é o que acontece muito nos ciclídeos). Isto também é a especiação a ocorrer. Seja como for, existem sempre mecanismos a isolar duas espécies e por isso é que são duas espécies!
E não nos deixemos levar por toda esta confusão. A identificação científica de uma espécie é algo que leva anos e anos (começou com Lineu em 1730 e ainda hoje andamos a dar retoques) e é efectuada pelos melhores em cada área (são vidas inteiras dedicadas a identificar espécies) e tem que seguir regras universais rijíssimas. Por isso eu acredito que quando um Pseudotropheus aurora é classificado como sendo uma espécie diferente de Pseudotropheus socolofi , eles são mesmo duas espécie diferentes. Mas (e há sempre um mas) há, efectivamente, casos relativamente recentes de "retoques", como referi (não obrigatoriamente nos ciclídeos).
Do que tenho pesquisado (e tenho procurado fontes de informação credíveis, claro) ainda não encontrei nenhum caso de duas espécies diferentes de ciclídeos que se tenha descoberto que afinal são a mesma espécie (mas, entretanto, se descobrirem alguma coisa deste género avisem-me que eu teria muita curiosidade em saber).
Quanto aos fenómenos que os cientistas andam a encontrar… (eu depois de saber que afinal nem todos os organismos vivos têm como molécula base o DNA mas sim outra)… eu já acredito que podem existir excepções a todas as regras da vida que conhecemos.
Ana
PS: Desculpem lá o “testamento”
:D