Prós e contras da utilização de sal nos aquários de água doce


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Afinal, devemos ou não utilizar sal no aquário de água doce? Esta é uma pergunta que frequentemente me colocam muitos aquariófilos que se estão a iniciar no hobby e que é também muito provavelmente uma das questões mais controversas na aquariologia de água doce... Há quem garanta que sim, que só faz bem... Há quem sustente que não, que os prejuízos são muito superiores às vantagens... Antes do mais, convém esclarecer que quando estamos a falar de sal estamos a referir-nos ao sal marinho comum, ao sal grosso utilizado na cozinha, ao sal puro, sem aditivos e não refinado (o nome correcto da substância é cloreto de sódio, cuja fórmula química é NaCl, pois é formada na proporção de um átomo de cloro para cada átomo de sódio).

Ora bem, por um lado, estamos a falar de um dos remédios mais antigos usados pelos aquariófilos: está provado que a adição de sal à água tem efeitos muito positivos na recuperação dos ferimentos dos nossos peixes, que promove a produção dos mucos protectores da pele e das barbatanas deles, que melhora significativamente as suas funções branquiais e que é inquestionavelmente uma abordagem eficaz no tratamento contra vários parasitas externos (designadamente contra infestações de Costia, Epistylis e outros protozoários), bem como na prevenção e controlo do envenenamento por nitritos num tanque recentemente instalado (onde o ciclo do nitrogénio ainda não esteja estabilizado).

Basicamente, é fácil encontrarmos muita informação na internet sobre as vantagens da utilização do sal num aquário de água doce, sendo que eu próprio já publiquei aliás textos a recomendar a sua aplicação em vários casos. Isto desde que as espécies de peixes que nós tivermos o tolerem, como é evidente. Porque há muitas espécies, como os peixes sem escamas, em particular as corydoras, e muitos tetras que não suportam sal, mesmo quantidades muito pequenas. Além disso, todas as plantas aquáticas também se ressentem gravemente, mesmo com quantidades muito reduzidas de sal. Pelo exposto, a utilização de sal para tratamentos deve ser feita sempre que possível num aquário-hospital e nunca num aquário plantado.

O sal como excepção à regra

Todavia, por outro lado, também existem muitas provas científicas de que as situações acima descritas podem ser excepções à regra e que não devemos utilizar o sal num aquário de água doce. De facto, se o aquário é de água doce, existem muito outros parâmetros (e cuidados da nossa parte…) que podem ajudar a prevenir as situações acima descritas. Na esmagadora maioria dos habitats de onde provieram os nossos peixes e plantas não existe sal na água (salvo algumas espécies perfeitamente identificadas, que geralmente são consideradas peixes de água salobra; ou seja, cientificamente falando, já não estamos a falar de peixes de água doce…) Significa isto que a forma correcta de pormos a questão é dizer que os nossos peixes podem excepcionalmente tolerar o sal, mas não precisam sempre dele e vivem muito melhor sem ele. Quanto às nossas plantas, é indiscutível que não precisam nunca de sal e que irão seguramente murchar se houver sal na água.

Sintetizando, numa perspectiva de médio e longo prazo (ou seja, mais do que durante 3 a 4 semanas seguidas), o sal acaba por ser prejudicial para (quase) todos os peixes de água doce. Já para as plantas de água doce é prejudicial a qualquer momento. Por isso, as consequências prejudiciais da utilização de sal num aquário de água doce têm diferentes graus para os peixes e para as plantas. Para entendermos porque é que isso é assim, temos de compreender primeiro o que é que o sal faz na água e percebermos também o que são os processos de regulação osmótica (que em termos muito simplistas têm a ver com as trocas de líquidos entre os seres vivos e o respectivo meio-ambiente e com a respectiva pressão interna).

Vamos então por partes: todos sabemos que o sal torna a água mais densa que a mesma água sem sal (para nós é muito mais fácil boiarmos num mar calmo do que numa piscina, pois a maior densidade da água salgada ajuda-nos a conseguirmos flutuar...) O nosso aquário contém água, que é o ambiente que serve de suporte à vida dentro dele e os corpos dos nossos peixes e as folhas e os caules das nossas plantas aquáticas também contêm água (exactamente da mesma forma que nós, pois os nossos corpos são constituídos por entre 60 a 70% de água, consoante a idade). Ora a água que temos no aquário e a água que está dentro dos nossos peixes e das nossas plantas são separadas por uma camada semi-permeável, uma membrana composta por células. A água pode passar por cada uma dessas células e está sempre a passar. Ou seja, quando o corpo de água de um lado é mais denso, o outro corpo de água menos denso passa por essa membrana, através dela, para equalizar a água em ambos os lados.

A pressão osmótica e a osmoregulação

Assim sendo, a água do aquário está constantemente a passar através dessa membrana, das células da pele dos peixes, por osmose, a tentar equalizar a água dentro do corpo do peixe (que é mais denso) com a água no aquário. Convém ter em conta que o corpo de um peixe é constituído por entre 80 a 90% de água, sendo que a grande diferença entre os peixes de água doce e os de água salgada é que, enquanto na água do mar há muito mais sal do que dentro do corpo dos peixes de água salgada, já num ambiente de água doce a quantidade de sal dentro do corpo dos peixes é maior do que a que existe no ambiente que os rodeia. Tudo isto tem a ver com uma propriedade dos líquidos que se chama tonicidade e que numa forma simplista se pode explicar como sendo a capacidade de uma solução (um líquido) exercer pressão osmótica sobre uma membrana (se a pressão osmótica, a pressão interna, dentro do peixe for muito grande, como sucede na hidropsia, até às escamas dele vão começar a levantar, a ficarem eriçadas, não é verdade?)

Querem um exemplo prático disto, caros leitores? Pois bem, se deixarmos as nossas mãos dentro de água durante muito tempo vemos que os nossos dedos ficam todos enrugados, não é? Isso sucede por causa da osmose e porque a nossa pele também tem uma membrana semi-permeável… E os vegetais não ficam desidratados e secos ao longo do tempo? É por causa da osmose, em que perdem a água dentro deles por evaporação, através da tal membrana de células. No mundo dos seres vivos, de uma forma ou de outra, estamos rodeados de situações de osmose. No caso dos peixes de água salgada, a água do mar é hipertónica para os peixes. Ao invés, nos peixes de água doce, a água no seu ambiente é hipotónica para os seus corpos: como o conteúdo de sal dentro dos seus corpos é maior do que na água que os rodeia, por causa da osmose a água flui constantemente através dos seus corpos.

Dito isto de outra forma, a água do aquário está constantemente a diluir a água do corpo dos peixes até que fiquem ambos iguais. Quanto aos corpos dos peixes, estão a controlar a quantidade de sais que mantém dentro de si, ou expelem, através de uma função chamada osmoregulação. No caso dos peixes de água doce, estão sempre a regular esse equilíbrio e a excretar essa água através da respiração e da urina. Esta é a questão fulcral que está por detrás das diferenças de pH, bem como das durezas da água, que têm a ver com os tipos e quantidades dos sais minerais e outras substâncias dissolvidos na água. O ambiente da água é fundamental para o equilíbrio interno do peixe e, consequentemente, para o seu bem-estar. E é por isso que cada espécie tem requisitos diferentes relativamente aos parâmetros da água que constitui o seu meio ambiente.

Uma carga sobre os rins dos peixes

Voltando à utilização do sal na água doce, o que se verifica é que com a adição de sal aumenta o trabalho fisiológico pedido ao corpo do peixe — as funções renais são particularmente utilizadas para manter o equilíbrio biológico interno contra o excesso de sal — o que também acaba de algum modo por aumentar o stress do peixe, neste esforço para manter sua estabilidade interna, o seu equilíbrio. Além disso, com o sal na água o peixe tende a produzir mais muco do que o normal, especialmente nas brânquias, o que ajuda na cicatrização das feridas e afasta os parasitas pura e simplesmente porque o sal é um agente com propriedades irritantes. Ou seja, o peixe aumenta a produção de muco para se defender também da irritação que o sal lhe provoca na pele. Esse muco em excesso indica que o peixe está a tentar proteger-se também ele da irritação que lhe provoca o excesso de sal na água.

Eu devo confessar aqui que gosto de utilizar a água do mar no fim de cada Outono como tónico geral. Mas eu tenho a sorte de morar perto da Zona de Interesse Biofísico das Avencas, uma área marinha protegida que abrange as praias da Parede, onde posso captar água do mar não-contaminada, longe das marinas de Oeiras e de Cascais. Exceptuando nos meus aquários com plantas, adiciono de forma progressiva entre 1 a 2 litros de água do mar por cada 100 litros de água dos meus aquários (cada litro de água do mar tem entre 33 a 34 gramas de sal). Mas faço isso apenas para as espécies que tenho que gostam de águas duras e que toleram muito bem o sal. Para outras espécies há ter particular atenção às medidas e sobretudo conferir se as espécies de peixes em questão toleram o sal de todo. Porque há muitas espécies que não suportam nem quantidades mínimas.

Num dos meus livros de ictiologia é referido que 100 ppm (partes por milhão) de sal é o máximo que se pode utilizar para caracídeos e há várias espécies que entram muito rapidamente em considerável stress e acabam até por morrer com uma concentração de 60 ppm. Ora, 100 ppm é sensivelmente igual a 0,1 gramas de sal por litro de água. Como uma colher de chá rasa contém 6 gramas de sal, então uma colher de chá de sal por 100 litros equivaleria a cerca de 60 vezes a quantidade tolerável. Ou seja, quando eu adiciono água do mar aos meus aquários estou a adicionar entre 34 a 68 vezes a quantidade tolerável pelos caracídeos. Mas a realidade é que eu não tenho caracídeos… Para certas espécies, em particular para várias espécies ovovivíparas da família dos poecilídeos, que têm uma tolerância muito maior ao sal (na Natureza encontram-se muitas vezes existem Mollinesias em água salobra), estes níveis de sal até podem ser perfeitamente seguros para eles… Tenho amigos que mantêm mollies que adicionam com alguma regularidade 4 colheres de sopa rasas de sal (uma colher de sopa rasa contém cerca de 15 gramas de sal) por cada 100 litros sem problemas...

Já quanto às plantas a história é completamente diferente: quando se adiciona sal à água do aquário, a água que está dentro das células das plantas é menos densa, por isso escapa-se-lhes através das células e perde-se. O resultado é que as plantas ficam desidratadas em pouco tempo e começam rapidamente a murchar. Começam literalmente a secar, mesmo estando dentro de água... Infelizmente, até à data ainda não consegui encontrar em nenhum lado, em nenhum livro, uma referência, um indicador, sobre a quantidade de sal que é tolerada pelas plantas. Em todos os meus livros sobre plantas de aquário os especialistas referem que algumas espécies de plantas são menos sensíveis do que outras, mas todos eles estão de acordo que o sal é extremamente prejudicial para as plantas e todos recomendam também que não se utilize nunca sal em aquários com plantas.

Editado por jgmoreira
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Excelente tópico informativo José. Movido para esta área por motivos óbvios. 

Como fazes para recolher água nas Avencas e estando tão próxima da rota dos grandes barcos que passam aqui tão perto a caminho do porto de Lisboa será sempre fiável para usar nos nossos aquários?

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12 hours ago, Tozé Nunes said:

Excelente tópico informativo José. Movido para esta área por motivos óbvios. 

Como fazes para recolher água nas Avencas e estando tão próxima da rota dos grandes barcos que passam aqui tão perto a caminho do porto de Lisboa será sempre fiável para usar nos nossos aquários?

A Área Marinha Protegida das Avencas é inquestionavelmente o melhor sítio na Linha entre Lisboa e Cascais para apanharmos água do mar para os nossos aquários, pois não existem ali descargas de esgotos sanitários nem de efluentes industriais, além de serem proibidas embarcações até a ¼ de milha da costa, bem como a prática de desportos náuticos motorizados. Ou seja, a água ali não está contaminada,  sendo que a sua qualidade é sujeita a monitorizações regulares. Compreende a zona entre as praias da Parede e da Bafureira e o link para quem quiser saber mais sobre o regime de protecção é este: https://ambiente.cascais.pt/pt/projetos/area-marinha-protegida-das-avencas

Os roteiros dos grandes navios que entram no Porto de Lisboa são bem mais ao largo e não afectam minimamente a água naquela zona. Eu uso-a há anos nos meus aquários e nunca tive nenhum problema. É evidente que há muitos outros sítios onde a água é igualmente boa, mas já ficam bem mais longe de mim (e de Lisboa). Quando era miúdo ia com o meu pai para o Guincho apanhar água para os aquários de água salgada que tinha na altura, mas nesses tempos todas as praias aqui da Linha eram muito suspeitas. A qualidade da água era péssima. Eu fazia surf na praia de Santo Amaro de Oeiras, aqui mesmo ao pé de minha casa, e era vulgar estarmos na água e vermos dejectos a flutuar.

Há cerca de 20/25 anos foi executado o projecto da Sanest, a empresa de saneamento da Costa do Estoril, que implementou novas estações de tratamento de resíduos e construiu uns esgotos submarinos para desviar todos esses dejectos para uns quilómetros longe da costa (não sei ao certo quantos, mas sei que passaram a ser despejados bem mais longe do que o Bugio, já em alto-mar). Só depois dessa altura é que a praia de Carcavelos começou a ter «bandeira azul»... E um facto curioso é que desde 2011 até à data só no ano passado (em 2017) é que Carcavelos não conseguiu a «bandeira azul». Este ano voltou a conseguir.

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