Ficha de espécie : A lenda viva


Cyprinodon

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1) Introdução

Seguindo outros exemplos anteriores, venho por este meio colocar à disposição da vossa contribuição ou simples curiosidade mais uma ficha.
O objectivo do modelo adoptado será dar a conhecer esta raridade e ao mesmo tempo receber os vossos comentários com correcções dos dados, com actualizações da informação apresentada, com ligações oportunas via Internet ou simplesmente com inclusão de informações eventualmente omitidas, para que desta forma se possa eliminar uma lacuna em língua Portuguesa... informação sobre o misterioso ovovivíparo de Endler.
Concebida num formato pouco original esta contribuição é composta por uma parte descritiva dos acontecimentos mais marcantes para a polémica criada à volta destes peixes, seguindo-se um breve descritivo sobre aquele que até agora se diz ser o único local na natureza onde o animal existiu. Para finalizar o trabalho é publicada a ficha propriamente dita.

2) História ( como começou a lenda viva ) :

Segundo as fontes consultadas o ovovivíparo de Endler foi “ descoberto “ por Franklyn F. Bond, em 1937 numa pequena área da Província de Sucre no Noroeste da Venezuela, permanecendo inexplicavelmente esquecido à espera de uma classificação científica durante 38 anos.
Esta população só voltaria a ser alvo das atenções em 1975 durante uma expedição do Professor Jonh A. Endler na Lagoa dos Patos ( Laguna de Patos ) perto da localidade de Cumaná.
Quando o professor Endler levou consigo da Venezuela para os Estado Unidos da América alguns exemplares vivos de um Poecilídeo supostamente desconhecido até então, não desconfiava ainda que se tratavam de exemplares pertencentes à mesma população de peixes divulgada pela primeira por Bond em 1937.
Quando verificou que aparentemente à primeira vista não se trataria apenas de uma subespécie de Poecilia reticulata, tudo apontando para se estar perante uma nova espécie ainda não catalogada pela ciência, acabaria dessa forma por achar oportuno dar os exemplares que mantinha em aquário ao curador da secção de ictiologia do Museu Americano de História Natural, sugerindo-lhe a classificação deste animal, porém essa missão nunca viria a ser concluída devido à morte do Dr. Donn Eric Rosen.
O Dr. Rosen era amigo comum tanto do Dr. Endler como do Dr. Klaus Kallman do Aquário de Nova Iorque e um dos fundadores do Centro de Stocks Genéticos de Xiphophorus, tendo enviado a este último alguns exemplares antes de falecer.
Foi a partir da população do Aquário de Nova Iorque que de alguma forma a espécie chega aos aquariófilos germânicos como o nome de " Endler's Livebearer " ( Vivíparo de Endler ) ou " Endler's Guppy " ( Guppy de Endler ).
A partir das populações criadas entretanto na Alemanha, uma boa parte da Europa começa a receber os seus primeiros exemplares quase sempre através de contactos muito restritos, pessoais e directos entre aficcionados especializados em Poecilídeos.
A disseminação é no entanto lenta e apenas em meados dos anos 1980 o Professor John Endler é surpreendido por um colega britânico que o interroga sobre as origens do mítico ovovivíparo que se encontrava já na altura disseminado pela Europa, Estados Unidos e Japão ao nível de uma elite seleccionada de criadores entusiasmados com a sua raridade.

3) As origens :

A primeira pergunta que não poderá ser respondida apenas através deste modesto levantamento de informação está a criar alguma polémica pois se para alguns se trata apenas de uma subespécie de Guppy ( Poecilia reticulata ), para outros trata-se sem dúvida de uma espécie diferente e muito especial.
Uma das definições de espécie geralmente defendida em termos da biologia apresenta-se como um grupo de populações de organismos que se inter-reproduzem e que podem estar real ou potencialmente isoladas reprodutivamente de outras populações de seres vivos mesmo dos que apresentem um aparente grau de parentesco.
Noutra concepção, pode ser ainda considerada uma espécie uma linhagem única de populações descendentes de ancestrais comuns, mantendo uma identidade distintiva em relação a outras linhagens consumada numa história proporia e tendência evolutiva.
Segundo esta segunda definição aceita-se que o simples isolamento geográfico seja suficiente para definir populações de diferentes espécies.
A informação que está disponível em relação a este peixe não ajuda a esclarecer a polémica, muito pelo contrário.
Nas colheitas feitas na natureza, os primeiros exemplares que foram trazidos para o cativeiro provinham de águas duras e densamente povoadas por algas unicelulares que lhe davam uma coloração verde muito intensa e pouca transparência.
A temperatura destas águas situavam-se na ordem dos 27ºC aquando da colheita que teve lugar durante a expedição de 1975 que está na origem dos antepassados dos exemplares criados em aquário desde então.
Na própria Lagoa dos Patos foi patente a coexistência destes vivíparos de Endler com pequenas populações de Guppy ( Poecilia reticulata ) que tem uma distribuição geográfica mais vasta na região, mas as particularidades exibidas por estes peixes fizeram recair sobre si as atenções.
Esta lagoa foi sendo formada ao longo do tempo através da evolução lenta de um sistema de dunas no litoral do Noroeste da Venezuela. Os movimentos de inertes do litoral acabariam por criar uma enseada que a pouco e pouco se foi transformando num lago completamente isolado do mar.
As originais águas salgadas acabariam lentamente por perderem salinidade por acção das chuvas e dos escorrimentos de água doce para dentro da lagoa dando origem ao ambiente actual.
Este local é referenciado como o único ponto do mundo onde a espécie foi encontrada na natureza mas infelizmente se a população selvagem não se extinguiu já crê-se que esteja muito ameaçada pela poluição das águas causada por infiltrações nos lençóis freáticos de uma lixeira nas proximidades da lagoa.
O Dr. Endler acredita que pode haver ainda uma população sobrevivente num outro local onde a Península de Pária se une à terra firme, mas nunca foram coroadas de sucesso as buscas no terreno.

4) A ficha do peixe mítico :

Classe : Osteichthyes ( Peixes Ósseos )
Sub-Classe : Actinopterygii ( peixes de barbatanas com raios )
Grupo : Telostei ( Telósteos )
Ordem : Cyprinodontiformes ( Fundulos e afins )
Familia : Poeciliidae
Sub-família : Poeciliinae
Nome Científico : não foi classificado ainda.
A designação científica de uma espécie é constituída por dois nomes em latim ou grego, escritos em itálico.
O primeiro desses nomes é um nome genérico e a sua primeira letra é sempre em maiúscula. Sempre que seja aplicado a mais do que uma espécie significa que existe uma hipotética relação evolutiva ou filogenética entre as espécies que assim são classificadas com base em características físicas comuns.
O segundo nome designa uma espécie em particular e a sua primeira letra é sempre em minúscula.
Por vezes populações de uma espécie algo diferentes mas aparentemente relacionadas são identificadas como subespécies através de uma terceira palavra adicionada ao nome científico da espécie em latim ou grego escrita em itálico.
As classificações científicas servem dessa forma para o conhecimento humano descrever espécies vivas e extintas e fornecer um sumário hierarquizado do conhecimento das espécies e da evolução do mundo de forma a ser compreendida a história biológica e a sua diversidade.
Como ainda não possui classificação científica conhecida, este peixe é vulgarmente denominado Vivíparo de Endler, Guppy de Endler ou Poecilia de Endler graças aos aficcionados talvez por herança da denominação que o Dr. Klaus Kallman passou aos aquariofilos germânicos.
Embora sejam evidentes a parecenças com o Guppy ( Poecilia reticulata ), é vulgarmente aceite que os exemplares puros não se tratarão de uma subespécie nem tão pouco de uma população isolada com as características muito próprias de uma variedade regional. É inclusivamente mais provável que se trate de uma espécie autónoma e que venha a ser classificada pela ciência no género Micropoecilia, ou no género Poecilia ( com o qual tem mais afinidades morfológicas ) como está insistentemente a ser sugerido pelos criadores.
Outro(s) Nome(s) Científico (s) : não há informação.
Nome comum : Ovovivíparo de Endler, Guppy de Endler, Poecilia de Endler, Vivíparo de Endler ou Poecilia de Endler.
Distributição geográfica : Lagoa dos Patos, Província de Sucre no Noroeste da Venezuela.
Dieta em aquário : A alimentação usual em cativeiro é muito idêntica às dos Guppys e outros ovovivíparos mais comuns. Para além dos comuns flocos de alimento liofilizado, os criadores recomendam artémia salina ( viva ou congelada ), larvas de mosquito, vermes de sangue, tubifex, dáfnias, carne moída e alimentos vegetais, uma vez que esta espécie apresenta uma marcada tendência herbívora.
Temperamento : Em termos comportamentais é descrita como uma espécie muito pacífica própria para conviver com qualquer tipo de companheiros de aquário.
Algumas fêmeas competem por vezes entre si e mostram alguma agressividade para com outras da sua própria espécie mas sem consequências nem sequelas físicas.
Numa pequena população há ainda quase sempre um macho dominante que persegue os seus competidores sem que no entanto isso possa vir a trazer consequências fatais mesmo para os outros machos mais submissos.
Os seus variados padrões coloridos originais, graciosidade e tolerância para com os outros habitantes do aquário, tornaram este peixe ideal para os aficcionados, pelo que tem sido muito ambicionado apesar das suas escassas aparições no mercado.
Não há registos de incompatibilidade com outras espécies, contudo é melhor criar estes peixes num aquários apenas destinado à sua manutenção pois corre o risco de ser rapidamente eliminado por outros peixes maiores ou mais agressivos.
Dado o seu diminuto tamanho, tornam-se os peixes ideais para pequenos aquários.
Dimorfismo Sexual : Segue os parâmetros dos ovovivíparos da sub-família Poeciliinae.
Caracteres primários – O macho adulto é menor do que a fêmea e possui gonopódio ( ou gonopodium, isto é, uma transformação da barbatana anal de forma a poder fertilizar internamente a fêmea através desse órgão copulador ). A fêmea adulta é maior do que o macho, o seu ventre é mais desenvolvido e é facilmente reconhecível pela chamada mancha da gravidez, uma zona escura na região posterior do ventre antes do pedúnculo caudal. Há medida que a gestação evolui, esta área escura dilata chegando a permitir destinguir por vezes os alevins no seu interior pouco tempo antes do parto.
Caracteres secundários – O macho apresenta um rico colorido com padrões típicos no corpo e por vezes desenvolve um apêndice caudal ( espada ) em variedades de aquário. A barbatana dorsal do macho é maior e pode apresentar coloração nas barbatanas caudal e dorsal.
A fêmea apresenta-se de coloração quase uniforme e todas as suas barbatanas são transparentes ou levemente amareladas junto à base.
Os machos atingem no estádio adulto em pleno desenvolvimento apenas 2 centímetros, enquanto que as respectivas fêmeas se ficam por escassos 2,5 ou 3 centímetros.
A coloração destes peixes varia com o tipo de alimentação e a transparência da água onde são criados, contudo os machos possuem um colorido extremamente raro para uma espécie selvagem que se tem que confrontar com o ataque de predadores no seu habitat natural.
São de facto peixes fascinantes de observar dada a variedade de cores “ fluorescentes “ irradiadas pelos seus constantes movimentos. Os machos desta espécie não se inibem de exibir as suas melhores cores a partir dos 17 dias de vida. A maior parte do seu colorido definitivo estará devidamente fixada apenas a partir do 22º dia.
Reprodução em aquário : Não é nada difícil conseguir a reprodução desta espécie.
Como as crias nascem perfeitamente desenvolvidas é necessário apenas criar as condições para que a natureza cumpra a sua função e proporcionar algum refúgio através de vegetação densa aos recém-nascidos para evitar eventuais tendências de canibalismo por parte dos adultos, embora em condições normais as crias não sejam molestadas.
As cópulas são bastante frequentes mas as fêmeas podem dar à luz várias vezes consecutivas em resultado do contacto com um único macho.
Em condições propícias esta espécie torna-se extremamente prolífica. Enquanto em média as fêmeas de Guppy dão à luz a cada 28 dias em condições óptimas, a Fêmea do ovovivíparo de Endler terá um parto entre 23 ou 24 dias se lhes proporcionarmos as condições ideais.
Um parto pode dar origem a 4 ou 6 crias nas fêmeas mais jovens até cerca de 20 nas plenamente desenvolvidas.
Estes peixes têm uma longevidade de cerca de um ano mas alguns exemplares podem chegar ao dobro.
Convém proporcionar-lhes uma dieta variada, temperaturas entre 24ºC e 28ºC e manter o PH da água sempre que possível acima de 7, pois esta espécie prefere águas duras e alcalinas.
Cuidados especiais : As opiniões dividem-se, mas partindo do princípio que há hipóteses de ocorrerem cruzamentos com o Guppy ( Poecilia reticulata ), é de se evitar a todo custo a manutenção de exemplares das duas espécies no mesmo aquário.
Tratando-se de uma espécie rara e aparentemente extinta na natureza, é de todo aconselhável procurar criar o maior número de exemplares possível e fazer renovações do estoque frequentes, a fim de se evitarem os dramáticos casos de inviabilidade de uma população devido às consequências fatais da consanguinidade.
Há quem defenda que uma população estável pode ter início em apenas três casais, partido-se do princípio que lhes será dado espaço suficiente para se multiplicarem de forma a darem origem ao número suficiente de indivíduos que permitam alguma variabilidade genética.
Algumas populações em cativeiro forma eliminadas na sua quase totalidade pelo simples facto de serem colocadas em aquários com águas de diferentes características químicas das habituais.
É importante evitar um desequilíbrio entre a proporção de machos e fêmeas. O ideal é conservar pelo menos duas a três fêmeas por cada macho.
Outros comentários : Fisicamente, apesar das suas semelhanças com o Guppy, podemos encontrar facilmente algumas particularidades fisionómicas.
O Professor Endler, ao comentar algumas fotografias do ovovivíparo misterioso da Venezuela publicadas num livro nipónico sobre o Guppy reconheceu que aqueles peixes não eram de todo a forma mais pura dos antepassados que tinha trazido da natureza em 1975.
Apesar de muitos autores afirmarem que os descendentes de cruzamentos com o Guppy sejam inférteis, era claro que havia já ocorrido possivelmente alguma forma de hibridização embora tal tivesse tido lugar com muita dificuldade em laboratório com os exemplares originais.
Uma das particularidades mais evidentes foi a perda de certas características como a variedade de machos com barbatanas peitorais negras ( presentes em cerca de 20% dos indivíduos da população original ).
O Professor Endler nunca viria a trabalhar com a sua ( re )descoberta pois o Guppy possui sem dúvida muito maior número de populações para prosseguir o seu trabalho sobre genética e evolução. Segundo este cientista o ovovivíparo de Endler não é de facto uma subespécie de Poecilia reticulata como será em breve classificado cientificamente por um taxonomista Alemão.
Não haja dúvidas que se não se tratar de exemplares impuros podemos estar perante uma nova espécie para a ciência. O facto de vários relatos divulgarem que o resultado do cruzamento entre as duas formas produzir descendentes incapazes de se reproduzirem pode ser um forte indício.
Uma hipótese que se coloca é de que o Vivíparo de Endler possa ter evoluído a partir de uma população de Guppy, a qual, devido ao isolamento da Lagoa dos Patos acabaria ao fim de muito tempo por sofrer uma variação genética provocada pelo isolamento.
Outra possibilidade também muito discutida é a possibilidade de se tratar de uma mutação espontânea num determinado antepassado que originaria uma nova linhagem.
Para se distinguir os dois peixes, para além de outros sinais físicos evidentes convém ter em atenção sobretudo a forma da barbatana dorsal de terminação pontiaguda do macho Endler e mais arredondada no Guppy
Poecilia_reticulata_01.jpg
Poecilia_wingei_Campoma_male_021en_20130

Editado por Hugo R. Silva
Imagens wikipedia
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Com as minhas melhores saudações

 

Miguel Andrade

 

http://www.viviparos.com

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Belo artigo,

 

mas o peixito parece mesmo um guppy normal :lol::?:shock:

 

Apenas um pequeno reparo.

Sempre que seja aplicado a mais do que uma espécie significa que existe uma hipotética relação evolutiva ou fitogenética entre as espécies que assim são classificadas com base em características físicas comuns.

 

Não é fitogenética mas sim filogenética. :wink:

 

Abraço

Gustavo Martins

 

My nano Litopótamus

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