Jose Miguel Gomes Publicado Março 24, 2006 Share Publicado Março 24, 2006 Água e regulação osmótica Já alguma vez te perguntaste como é que há peixes que apenas sobrevivem em água doce, peixes que apenas sobrevivem em água salgada e peixes que suportam ambos os ambientes? Já te perguntaste se os peixes bebem ou não água? Que tipo de urina produzem? Fiz este artigo para tentar responder a estas e mais algumas questões. Vamos pensar num peixe como sendo uma solução aquosa com uma membrana a separar o seu meio interno do externo (a água). O peixe tem interesse em manter a sua homeostasia (uma concentração de água e solutos ideal para o organismo). Para isso o animal tem de ter a capacidade de manter o seu volume e concentração de solutos dentro de determinados limites. O problema é que o animal possui uma concentração interna diferente da do meio externo. Para combater este problema os peixes (bem como outros animais) diminuíram a sua permeabilidade e criaram gradientes de concentrações entre os fluidos corporais e o meio externo. Mesmo diminuindo a permeabilidade, ocorre sempre alguma fuga, então, o animal tem que encontrar um mecanismo que lhe permita contrabalançar essa fuga. Num peixe teleósteo de água salgada, o seu conteúdo interno é hiposmótico (com menor concentração) relativamente ao meio externo, que é hiperosmótico (com maior concentração). Assim sendo existe o problema de o peixe perder água para o meio externo (a água tende a fluir para o local de maior concentração numa tentativa de igualar concentrações). O local de maior permeabilidade à água são as brânquias e para compensar a perda de água pelas brânquias, o peixe de água salgada, bebe água. Depois o problema é que essa água ingerida também contém uma alta concentração de sais e são absorvidos no tubo digestivo juntamente com a água. A concentração de sais no corpo aumenta, e aqui o problema é como eliminar o sal em excesso. Numa situação ideal o peixe deveria excretar os sais em grande concentração (mais concentrados que a água salgada). O rim dos teleósteos não faz esta função, não é capaz de produzir urina mais concentrada que o meio externo. Então, outro órgão terá de fazer esta função. Isto é assegurado pelas brânquias que têm função dupla: participam na regulação osmótica e nas trocas gasosas. Esta secreção de sais (principalmente sódio e cloro) que ocorre na brânquia utiliza um mecanismo de transporte activo, pois decorre do local de menor concentração para o de maior concentração. No entanto, o rim é utilizado para eliminar iões divalentes, magnésio e sulfato e produz uma urina concentrada e em pequenas quantidades. O transporte de iões no epitélio das brânquias é levado a cabo por células especiais, as células de cloro. Uma espécie de Killifish (Fundulus heteroclitus), que facilmente se adapta quer a ambientes de água salgada como de água doce, foi utilizado para estudar mudanças na permeabilidade ao sódio e ao cloro que tem lugar quando ocorre uma adaptação a várias concentrações. A permeabilidade diminui em poucos minutos quando o peixe é transferido para água doce, mas o aumento de permeabilidade quando volta para água salgada demora várias horas. Em resumo, a água é perdida osmóticamente através da membrana da brânquia e pela urina. Para compensar este facto, o peixe ingere água (juntamente com sais). Esquemas que explicam as trocas osmóticas e iónicas em água salgada: Num peixe teleósteo de água doce, a concentração osmótica do sangue é bastante superior que a água doce circundante. Aqui, o maior problema é a água que entra por osmose. As brânquias são muito importantes nesta entrada de água, pois elas possuem uma grande superfície e são muito permeáveis; a pele não é tão importante neste processo. O peixe vai ter então um excesso de água que entra pelas brânquias, e é por este facto que os peixes de água doce não bebem água. A água em excesso é excretada na urina, que é muito diluída e muito abundante. Os solutos que se perdem na urina devem ser substituídos. As brânquias são ligeiramente permeáveis aos iões, e como tal, esta perda deve ser compensada com captação iónica. Alguns solutos são ingeridos com a dieta, mas a maior parte entra no organismo por transporte activo nas brânquias. Isto demonstrou-se em experiências em que colocaram um peixe numa câmara dividida por uma membrana de borracha, em que estudaram separadamente a cabeça e o corpo do animal. A captação activa de iões ocorreu apenas na câmara frontal (onde se encontrava a cabeça). Isto permite concluir que a pele não tem um papel importante, se é que tem algum, na absorção activa. Esquemas que explicam as trocas osmóticas e iónicas em água doce: Este artigo trata apenas de peixes teleósteos. Não explica osmoregulação em crustáceos, lampreias, tubarões e raias e outros grupos. Jose Miguel Gomes. O treino do Toy Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
Jose Ferraz Publicado: Maio 22, 2006 Share Publicado: Maio 22, 2006 Excelente artigo técnico. Por curiosidade minha fizeste pesquisa ou tens formação na àrea? Cumprimentos, José Carlos Ferraz Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
Jose Miguel Gomes Publicado: Maio 25, 2006 Autor Share Publicado: Maio 25, 2006 Obrigado JOSE, finalmente algum feedback Estou no 3º ano de Ciências do Meio Aquático e neste ano temos duas cadeiras de Fisiologia dos animais aquáticos. Nem tudo me ficou muito bem na memória, mas esta foi uma das partes que melhor entendi e com o que sabia, e a ajuda do livro de Fisiologia fiz o artigo. Queria fazer mais, mas nem sempre tenho disposição e tempo. Obrigado, Jose Miguel Gomes. O treino do Toy Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
ccdsantos Publicado: Maio 26, 2006 Share Publicado: Maio 26, 2006 ora aqui está um bom artigo ... venham mais... Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
Esgalha Publicado: Junho 14, 2006 Share Publicado: Junho 14, 2006 então e agora ( e achoq ue e uma pergunta que tem a ver ), qual a diferença entre um peixe que vive em água doce em PH baixo, e outro que vive em PH alto, em termos de trocas de fluidos e sais? que problemas podemos provocar a um peixe se nao o mantivermos no ph a que está habituado? é possivel manter uma peixe a longo prazo num PH que não é o dele? Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
Jose Miguel Gomes Publicado: Julho 14, 2006 Autor Share Publicado: Julho 14, 2006 então e agora ( e achoq ue e uma pergunta que tem a ver ), qual a diferença entre um peixe que vive em água doce em PH baixo, e outro que vive em PH alto, em termos de trocas de fluidos e sais? que problemas podemos provocar a um peixe se não (palavra corrigida) o mantivermos no ph a que está habituado? é possivel manter uma peixe a longo prazo num PH que não é o dele? Bem, vou tentar responder a isso sem consultar a cábula Em termos de trocas osmóticas e de sais a questão não se coloca em relação ao pH mas sim à concentração de sais do meio. A regulação osmótica e iónica tem a ver com isso. Obviamente que um salmão que desce um rio vai encontrar um pH diferente na água do mar, mas a adaptação do salmão (chama-se smoltificação) não vai ser em função do pH mas sim em função da concentração do meio que o rodeia. A tua pergunta centra-se em questões de pH que não são o assunto deste artigo. De forma geral, um peixe mantido num pH que não é o seu poderá ter problemas de desenvolvimento e crescimento. Mais problemática é a situação em que a água não está correctamente tamponada e em que ocorrem situações de alcalose e acidose. Neste caso o peixe denota sintomas parecidos com o síndrome de insuficiência respiratória caracterizado por modificações comportamentais como movimentos bruscos, saltos fora da água com boca e opérculos bastante abertos, etc. Podem ocorrer também necroses ao nível do epitélio braquial. Espero ter esclarecido. Abraço, O treino do Toy Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
Miguel Figueiredo Publicado: Novembro 18, 2006 Share Publicado: Novembro 18, 2006 Face ao exposto a minha questão é: No caso dos peixes de água doce, até que ponto adicionar sal à água, não irá reduzir o esforço da regulação osmótica sobre o organismo do peixe e permitr uma mais facil adaptação a situações de stress, motivadas pelo transporte ou por doença? Haverá estudos e experiencias realizadas nesta área? Miguel Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
Luís Fortunato Publicado: Novembro 18, 2006 Share Publicado: Novembro 18, 2006 Olá. No caso dos peixes de água doce, até que ponto adicionar sal à água, não irá reduzir o esforço da regulação osmótica sobre o organismo do peixe e permitr uma mais facil adaptação a situações de stress, motivadas pelo transporte ou por doença? Porquê reduzir o esforço e não aumentar? Olha o caso dos seres humanos a beberem água do mar... desidrata. Utilizando uns números muito falsos, imagina: Por cada litro de água do mar que bebas precisas de deitar fora 3 litros para expelires o sal em demasia que foi ingerido (suor, por exemplo). Se o peixe está adaptado a um ambiente com baixa salinidade, ao aumentares a salinidade do meio, o peixe fará um maior esforço para manter a salinidade adaptada... o sal creio ser bom para matar muitos bicharocos na água, pois acontece-lhes exactamente isto... dificuldades em manter equilíbrios salinos dentro e fora das membranas e kaput... Mas isso o Jose Miguel Gomes que confirme ou desminta. É a ideia que eu tenho. É que não se esqueçam, por mais "destilada" que seja a água, vai ter sempre sais dissolvidos. O Sódio é tão móvel, por exemplo, que se bi-destilarem a água e a colocarem num copo de vidro, passadas umas horas hão-de ter pelo menos 5 ppm em Na+... Cumprimentos Luís Fortunato Não respondo a dúvidas por MP... Se querem ajuda, coloquem as vossas questões no Fórum para ficarem para a posterioridade. Assim, alguém que tenha a mesma dúvida no futuro fica com ela esclarecida usando apenas a Pesquisa. Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
Miguel Figueiredo Publicado: Novembro 18, 2006 Share Publicado: Novembro 18, 2006 Tenho ouvido ambas as versões, estou curioso em saber sobre estudos e experiencias que possam existir. Normalmente em aquacultura estes assuntos costumam ser "a doer" e a tendencia geral é para o uso de sal - dá por exemplo uma vista de olhos a http://www.ca.uky.edu/wkrec/SaltStressCatfish.htm A minha experiencia indica-me que a adição de sal é excelente na adaptação dos peixes recém-chegados mas posso estar simplesmente a ser sugestionado (e também dependerá do tipo de especies com que se lida, claro). Daí que a utilidade em conhecer que estudos sérios existem e a que conclusões chegaram. Miguel Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
Luís Fortunato Publicado: Novembro 18, 2006 Share Publicado: Novembro 18, 2006 Olá Miguel. Mas eu não digo que não se deva deitar sal para a água... Depende sempre das espécies, e obviamente da quantidade de sal. Eu só contra-argumentei a tua frase: No caso dos peixes de água doce, até que ponto adicionar sal à água, não irá reduzir o esforço da regulação osmótica sobre o organismo do peixe e permitr uma mais facil adaptação a situações de stress, motivadas pelo transporte ou por doença? Ou seja... eu não acredito que o peixe se sinta mais relaxado no aspecto de regulação osmótica... Agora, e isso sim, acredito que por o peixe ficar stressado e obviamente mais propenso a doenças, que se deva/possa adicionar sal à água dos peixes para evitar que os bicharocos infectem o peixe facilmente. Percebes? As Corydoras, por exemplo, são peixes muito sensíveis ao sal na água. Lá está, o seu "corpo" deve ser mais permeável aos iões sódio e cloreto ou liberte água facilmente, o que faz que se colocares o peixe num ambiente mais salino, a água do interior do peixe saia mais facilmente, aumentando a concentração dos iões sódio e cloreto no interior do peixe, desrregulando o funcionamento bioquímico do peixe. Cumprimentos Luís Fortunato Não respondo a dúvidas por MP... Se querem ajuda, coloquem as vossas questões no Fórum para ficarem para a posterioridade. Assim, alguém que tenha a mesma dúvida no futuro fica com ela esclarecida usando apenas a Pesquisa. Link to comment Partilhar nas redes sociais More sharing options...
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